Ora cá vai mais uma...
Olá Camaradas!
Dando seguimento á recente exploração da minha "veia literária", cá vai mais um "conto" da minha autoria:
"Que os teus desejos se realizem"
"Sete horas, já! Mais de 2 horas para fazer 45 quilómetros.
Os músculos do pescoço e dos ombros ressentem-se já do esforço tenebroso de segurar o volante de um carro que não circula a mais de 2 km/h.
Verde. Arranca. Mais 300 metros. Pára. E a casa, que embora estando perto, está ainda tão longe. Perto em metros, mas longe em minutos. Longe em carinhos, longe em afectos. E a vontade de lá chegar, que aumenta com o passar desses minutos, que ainda são muitos. Mas há mais um carro que entra para essa faixa. Á força. Com toda a força que a sua falta de afectos lhe impõe, condicionados pelos mesmos minutos ditadores. O Sol está quase a pôr-se, banhando de luz alaranjada o ambiente que se torna pesado e sombrío. Ainda mais pesado que a poluição que o sufoca. É uma poluição que paira baixinho. É como um risco de caneta feito na cara, sem querer: cada um pode ver o dos outros, mas não vê o seu. E assim é com a neblina poluidora. Paira pesada sobre os outros. Quanto mais longe, mais pesada. Será castigo por irem mais á frente? Por lhes faltarem menos minutos?
Chegar. Estacionar. Entrar no elevador. Subir.
Enfim, chegada ao refúgio.
Pousar a pasta e os papéis soltos. Arrumar as chaves no sitio do costume. Pôr o telemóvel a carregar para servir de carrasco do acordar do dia seguinte. Tirar os sapatos e com eles descalçar o chefe, os impressos, os carimbos e o livro de reclamações. Esses não pertencem aqui, mas sim lá, do outro lado da barreira de filas e de poluição, na clausura a que chama trabalho.
A televisão enche de sons e cores a sala vazia, tornando-a estranhamente acolhedora e apelativa. Da cozinha vem o cheiro de comida elaborada com amor e cansaço.
O filho corre pelo corredor, abraça o pai.
- Finalmente chegaste - diz, apertando-o ainda com mais força.
- Que saudades, filho!
Palavras, só estas. O resto foram olhares ternurentos e uma carícia paterna suave, no cabelo.
Agora, observam os dois, do silêncio do 5º andar, os que, lá em baixo, ainda correm contra os minutos. São muitos. Manadas de veiculos, que ordeiramente seguem, apenas perturbados, aqui e ali, por uma ovelha tresmalhada, que em forma de ambulância ou carro da polícia, irrompe pelo meio das mesmas.
Mas essa já não é a realidade deles. Pai e filho, estão agora seguros pela altura do 5º andar, que abafa e disfarça os ruidos da manada ordeira que observam.
O jantar está pronto. Um último olhar sobre o horinzonte carregado.
- Então, já decidiste o que queres ser, quando fores grande?- pergunta o pai, na ânsia de entender o que move aquela pequena criatura, que o adora e idolatra.
- Sim! Eterno...
- Porquê? - pergunta, surpreendido pela profundidade da resposta e pela forma sentida com que os pequenos e frágeis lábios a suspiraram a medo.
- Para estar sempre contigo! - esboçando um daqueles sorrisos que, de tão carregados de júbilo, fazem mover o mundo.
Uma lágrima corre pela cara do pai. Sem pressa. Não tem os malditos minutos a pressiona-la. É d'amor paterno. É d'esperança.
Cai a lágrima.
Com ela leva a memória da resposta inocente e convicta, que há muitos anos formulara perante a mesma pergunta do seu próprio pai:
Queria ser livre.
Obviamente, não conseguiu..."
Despeço-me com amizade. Até Breve!
posted by HUMORBOY @ 11:47 |